segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

RESENHA – O ANIMAL COMO SÍMBOLO NOS SONHOS, MITOS E CONTOS DE FADAS


            “Os animais estão por toda a parte”. É assim que Helen I. Bachmann inicia seu interessantíssimo livro O animal como símbolo nos sonhos, mitos e contos de fadas. O objetivo deste livro é falar dos animais enquanto animais e deles enquanto expressões simbólicas presentes na psique. E justamente por isto, de acordo com a autora, o material apresentado deve ser compreendido “como um estímulo e não como uma definição, ou seja, um estímulo para continuar, por conta própria, a busca pelos conteúdos dos significados” de cada símbolo.
“Estão ao nosso redor e como imagens interiores dentro de nós”. Ao procurar entender a natureza de cada um dos animais citados neste livro, 12 ao total, Bachmann tem por objetivo auxiliar a que os animais não sejam reduzidos a um significado simbólico único, atendendo ao preceito de que na interpretação psicoterapêutica

“um símbolo de animal está [...] estreitamente ligada à natureza, às circunstâncias da vida, ao conjunto do ambiente da vida do indivíduo que se depara com a imagem de animal, e, somente neste contexto, pode-se procurar pelo seu significado no caso particular”.

            O símbolo é entendido na psicologia analítica como o fenômeno psíquico que permite ao inconsciente dar-se a conhecer por via indireta. Ele é o resultado direto da tensão gerada entre consciente e inconsciente, produzido através do que Jung chamou de função transcendente. De acordo com Penna (2013, p. 166), o símbolo “é o produto da tensão entre os opostos em busca de integração”. Desta forma, “os símbolos representam tentativas naturais na reconciliação e união dos elementos antagônicos da psique” (JUNG, 2008, p. 126).
            Assim, por não serem elementos neutros, a sua assimilação pela mente consciente vai permitir a modificação da personalidade do indivíduo (JUNG, 2008, p. 126). Ainda de acordo com Jung (2008, p. 60),

Para benefício do equilíbrio mental e mesmo da saúde fisiológica, o consciente e o inconsciente devem estar completamente interligados, a fim de que possam se mover em linhas paralelas. Se se separam um do outro ou se “dissociam”, ocorrem os distúrbios psicológicos. Nesse particular, os símbolos oníricos são os mensageiros indispensáveis da parte instintiva da mente humana para a sua parte racional, e a sua interpretação enriquece a pobreza da nossa consciência fazendo-a compreender, novamente, a esquecida linguagem dos instintos.

                Tendo isto em vista, percebe-se que a importância deste livro é oferecer subsídios suficientes para que o trabalho de interpretação dos animais como elementos simbólicos seja enriquecido com informações que permitam a devida amplificação do material simbólico apresentado no sonho com informações sobre os animais enquanto animais e eles enquanto símbolos presentes na mitologia e nos contos de fadas. “O meu interesse principal”, afirma a autora, “foi a imagem do animal e o seu significado simbólico, e uma vez que na fantasia e nos sonhos não há limites, outros animais foram acrescentados. Além disso, inspiraram-me aquelas imagens de animais com os quais me deparei no trabalho com os meus e as minhas clientes em psicoterapia”.
            Por fim, recomendamos a leitura deste prazeroso livro e agradecemos à Editora Vozes pela parceria para que esta resenha pudesse ser produzida. Os animais como símbolo nos sonhos, mitos e contos de fadas se encontra à disposição nas principais livrarias, além de estar presente nas lojas da Livraria Vozes, física ou virtual (http://www.universovozes.com.br/2013).
            Recife, 28 de novembro de 2017

Elaborada por Anderson Santiago

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Resenha – Crenças extraordinárias: uma abordagem histórica de um problema psicológico



            Escrito por Peter Lamont, ex-mágico profissional e professor de Psicologia da Universidade de Edimburgo, o livro Crenças Extraordinárias: uma abordagem histórica de um problema psicológico(UNESP, 447 pp, 2017) tem por objetivo discutir a validade das crenças [e da descrença] sobre os fenômenos ditos extraordinários. De acordo com Lamont, o propósito do livro

Não é tentar uma pesquisa histórica abrangente, mas, em vez disso, considerar certos elementos de continuidade e mudança no decorrer do tempo para que possamos compreender melhor as crenças sobre tais fenômenos. Esta é, antes de mais nada, uma investigação psicológica que busca usar evidência histórica com o intuito de levantar uma série de pontos a respeito de crenças acerca de fenômenos fora do comum e acerca da psicologia de tais crenças (LAMONT, 2017, p. 106).

            O livro foi pensado para seguir uma estrutura cronológica. O primeiro capítulo é reservado para introduzir o tema e abordar o papel da história da psicologia. Para Lamont, tendo em vista que o conhecimento psicológico “tem a capacidade de mudar a maneira como pensamos, sentimos e nos comportamos através da aplicação, disseminação e definição do que somos” (2017, p. 55). Ou seja, o conhecimento psicológico acaba por definir a nossa experiência ao lhe conferir significados específicos. Esses significados específicos também estarão relacionados com o que o contexto (época e lugar) considera normal, válido e útil. É aí onde a perspectiva histórica é necessária, pois nos permite compreender como esse conhecimento foi construído.
            O segundo capítulo aborda o que autor considera como a construção do extraordinário. Lamont não se concentra no aspecto metafísico das crenças, de sua realidade ou não, pois, em sua opinião, “manifestações crença do mundo real em relação a fenômenos extraordinários invariavelmente incluem formas de justificativa. Ao examinarmos a forma e a função do discurso, podemos ver diretamente como relatos de fenômenos fora do comum se tornaram convincentes” (2017, p. 96). Ou seja, seu objetivo é analisar como as pessoas justificam sua crença (ou descrença) no extraordinário. E para dar solidez às suas ideias, o autor recorre ao conceito de enquadramento para analisar os fenômenos extraordinários.

O enquadramento permite que a discussão seja  fundamentada no discurso, mais do que na cognição, e o primeiro, diferentemente da segunda, está diretamente acessível ao analista. Mudar o foco da cognição para o discurso já é uma área significativa da investigação psicológica (LAMONT, 2017, p. 93)

             De acordo com Lamont, o conceito de enquadramento (que ele retira da obra de Erving Goffman) é importante por possibilitar a organização e a definição da experiência, descrevendo-as como sérias ou não, por exemplo. Assim, ele "tem relevância muito clara em apresentações de ilusionismo e na fraude mediúnica, já que um truque de mágica pode facilmente ser estruturado como um genuíno evento mediúnico". 
     Os demais capítulos (que abordam, respectivamente, os fenômenos mesméricos, espiritualistas, psíquicos e paranormais) se propõem a analisar a maneira pela qual as pessoas manifestam e justificam as crenças acerca dos fenômenos extraordinários, utilizando a perspectiva histórica e o conceito de enquadramento. 
             Este é um livro muito interessante e que se propõe a contribuir para a histórica discussão sobre a possibilidade ou não dos fenômenos chamados de “extraordinários” serem possíveis, bem como qual a contribuição da psicologia nesta análise. 

   O livro pode ser adquirido no site da Editora UNESP (http://editoraunesp.com.br/catalogo/9788539306619,crencas-extraordinarias) ou nas livrarias.

Recife, 24 de outubro de 2017

Anderson Santiago

sábado, 2 de setembro de 2017

Resenha – Casamento psíquico: a dinâmica energética da psique sob a ótica de um casal

               

               O livro Casamento psíquico: a dinâmica energética da psique sob a ótica de um casal, de autoria da Lúcia Helena Barros Vinagre vem acrescentar importantes reflexões a uma área da psicologia analítica que carece de maiores desenvolvimentos: a dinâmica do casal. A autora possui vasta experiência com a temática da terapia de casal, além de formação em Teoria e Prática em Análise Junguiana.
             A obra inicia realizando uma análise de como a energia psíquica, fruto da tensão dos opostos, sempre se dirige para um fim determinado: o equilíbrio psíquico. Esse equilíbrio surge quando, da tensão dos opostos, a energia psíquica provoca o surgimento de um novo símbolo que irá resultar “numa ação mediadora de síntese movida por uma tendência inconsciente à totalidade”. Essa energia, normalmente em grande quantidade, dá forma aos processos pelos quais a energia seria canalizada e consumida.
            Em seguida é abordado a importância de identificar a tipologia do casal para que se possa permitir o desenvolvimento dos opostos e que a partir dele, tendo por base a relação entre as funções psíquicas de ambos, opondo-se ou complementando-se, possam contribuir para que a essência do processo de individuação aconteça na relação conjugal e favoreça o desenvolvimento de cada individualidade em busca da totalidade.
            Tendo em vista que o processo de individuação tem como meta o desenvolvimento da personalidade individual e que este desenvolvimento processual é provocado pela função transcendente, que, resultando da constante comunicação entre consciente e inconsciente, produz o símbolo, responsável por trazer “múltiplos e novos significados para serem integrados pela consciência”.
            Tendo em vista que a autora escolheu observar esse processo na relação conjugal, é inevitável a necessidade de abordar o significado da anima e do animus e em como eles influenciam a relação afetiva a partir da interioridade da psique. E, assim, a Lúcia Helena finaliza abordando o que o Jung abordou em torno do casamento psíquico e faz uma leitura de um caso clínico tendo por base todos estes elementos teóricos expostos acima.
            Este é um livro agradável e que contribui para minimizar a escassez de bibliografia que aborde a dinâmica da relação de casal. Por isso, de acordo com a autora, “trabalhar com casais na conscientização do casamento interior é sempre útil para a conscientização de cada personalidade do par, pois ao aceitarem como fazendo parte de si também a verdade do ponto de vista oposto ao seu desenvolvimento tipológico, reconhecida na pessoa do outro, podem trazer mais tolerância e compreensão à relação”.
            Você pode adquirir este livro através do site da Editora Appris: http://www.editoraappris.com.br/.
Recife, 02 de setembro de 2017

Resenha elaborada por Anderson Santiago

domingo, 9 de julho de 2017

Resenha – Complexo, arquétipo e símbolo de Jolande Jacobi


            O livro escolhido para ser resenhado desta vez é Complexo, Arquétipo e Símbolo na Psicologia de C. G. Jung de Jolande Jacobi. Ela foi uma importante divulgadora da obra de Jung. De origem judia, conhece Jung em 1928 e a partir de então dedicou-se a estudar minuciosamente a teoria junguiana até culminar no doutorado em psicologia em 1938 (BAIR, 2006, p. 21).
            Responsável por uma das primeiras tentativas de sistematização da teoria junguiana (A Psicologia de C. G. Jung: uma introdução às obras completas, publicada em 1940), Jacobi recebeu o aval de Jung para as duas obras na forma de um prefácio. Para este volume, Jung afirma esperar “que os esforços da autora, especialmente as explicações teóricas da primeira parte, ilustradas com exemplos sobre o modo de manifestação e a atividade do arquétipo, possam trazer alguma luz. Sou-lhe grato por me aliviar do trabalho de sempre ter de indicar meus próprios livros aos meus leitores” (p. 9).
            O livro é dividido em duas partes. Na primeira, Jacobi se dedica a sistematizar as ideias em torno do que seja o Complexo, o Arquétipo e o Símbolo. De acordo com Jacobi (2016, p. 42):

Quando o complexo se “despe” de conteúdos da biografia pessoal do indivíduo que lhe foram sobrepostos, o que ocorre, por exemplo, no curso de um trabalho analítico, mediante conscientização deste material conflituoso reprimido, então o verdadeiro núcleo do complexo, o “ponto nodal” advindo do inconsciente coletivo e que estava envolto por esses conteúdos, é exposto.

            Sobre o arquétipo ela diz o seguinte (2016, p. 71):

Quanto mais profunda é a camada no inconsciente da qual provém o arquétipo, mais escasso será o seu desenho básico, porém mais oportunidades de desenvolvimento estarão encerradas nele, maior será sua riqueza de significados.

            Sobre o símbolo, ela afirma que (2016, p. 117):

O símbolo une os opostos e, com isso, os transcende, para, em seguida, novamente deixar que eles se separem, de modo que nenhuma rigidez, nenhuma estagnação se instale. Assim, ele mantém a vida psíquica em fluxo constante e a faz avançar em direção de seu objetivo a que está destinada.

            A segunda parte deste livro é destinada a analisar os símbolos oníricos de uma criança à luz das elaborações teóricas anteriores sobre complexo, arquétipo e símbolo. O sonho analisado pertenceu a uma menina de 8 anos que viria a morrer um ano depois, vítima de escarlatina. De acordo com Jacobi, a tentativa de interpretação oferecida é um exemplo de como o método junguiano pode revelar o sentido do sonho através do processo de amplificação, além de indicar como lidar com material arquetípico.
            Este sonho é um belíssimo exemplo de sonho arquetípico e nos auxilia por demais a visualizar como funciona o processo de amplificação na prática, não sendo, contudo, possível de ser utilizada na prática psicoterapêutica pela evidente complexidade, mas por não ser possível ao psicoterapeuta dispor, de improviso, todas as amplificações necessárias numa sessão analítica.

Muitas vezes, o sonho representa, por assim dizer, uma tentativa de comunicar à psique, por meio da linguagem de imagens, um insight que lhe é necessário justamente naquele momento e se destina à produção de um novo equilíbrio (JACOBI, 2016, p. 149)

            Este é um livro essencial para a todos os que desejam aprofundar-se na teoria junguiana, além de possuir um alto valor histórico por ter sido avalizado pelo próprio Jung. O texto é agradável, o projeto gráfico muito bom e faz parte da já excelente Coleção Reflexões Junguianas. Ele se encontra à disposição nas principais livrarias, além de estar presente nas lojas da Livraria Vozes, física ou virtual (http://www.universovozes.com.br/2013).

Resenha elaborada por Anderson Santiago

Referências:
1. BAIR, Deirdre. Jung: uma biografia. Volume 2. 1ª edição. São Paulo: Globo, 2006.

2. JACOBI, Jolande. Complexo, arquétipo e símbolo na psicologia de C. G. Jung. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016.

quinta-feira, 18 de maio de 2017

Resenha (e introdução) do livro Psicologia e Alquimia de C. G. Jung



           
            O interesse de C. G. Jung pela alquimia não surgiu de inopinado como uma escolha deliberada, muito menos como uma curiosidade a priori no intuito de explicar algum tópico específico de sua teoria. Ele conta em sua assim chamada “autobiografia” Memórias, Sonhos, Reflexões que foi após o início do seu confronto com o inconsciente que se deu seu encontro com a Alquimia. Esse encontro foi para ele uma experiência decisiva, onde ele encontrou as bases históricas da sua psicologia.
            Primeiro ele decidiu estudar seriamente os gnóticos¹, dado que na sua opinião, seu interesse se dava por eles terem “encontrado, a seu modo, o mundo original do inconsciente. Confrontaram-se com imagens e conteúdos que, evidentemente, estavam contaminados pelo mundo dos instintos” (JUNG, 2012, p. 247). Contudo,

A tradição entre a gnose e o presente parecia-me rompida e, durante muito tempo, não consegui encontrar a ponte entre a gnose – ou o neoplatonismo – e o presente. Só quando comecei a compreender a alquimia pude perceber que ela constitui um liame histórico com a gnose, e assim, através dela, encontrar-se-ia restabelecida a continuidade entre o passado e o presente. A alquimia como filosofia da natureza, em vigência na Idade Média, lança uma ponte tanto para o passado, a gnose, como para o futuro, a moderna psicologia do inconsciente (JUNG, 2012, p. 247).

            Mas antes de tomar contato com a Alquimia, ele teve alguns sonhos muito interessantes. No primeiro, que se repetiu várias vezes, ao lado da casa dele havia outra casa anexa que ele desconhecia. Quando finalmente conseguiu acessar encontrou em seu interior uma biblioteca repleta de livros dos séculos XVI e XVII. Nela haviam livros sobre alquimia ricamente ilustrados com gravuras de cobre e couro de porco. Ele chega a afirmar que “nos sonhos, sentia a fascinação indescritível que emanava deles e de toda a biblioteca” (JUNG, 2012, p. 249).
Em 1926 ele teve um decisivo sonho que anunciava seu encontro com a alquimia: em meio à guerra (presumivelmente a primeira guerra mundial ocorrida entre 1914 e 1918), ele foge com um homenzinho em uma carroça até entrar em um túnel após passar por uma ponte e sair na região de Verona (Itália). Lá ele avista uma casa senhorial semelhante ao castelo de algum príncipe da Itália do Norte. A curiosidade o leva a adentrar o pátio de tal modo deslumbrado que quando os portões foram fechados e ele se viu prisioneiro do século XVII, ao que reagiu resignado.
Este sonho o levou a estudar inúmeros livros sobre história mundial, história das religiões e história da filosofia, além do livro que Herbert Silberer escreveu sobre alquimia. Em suas palavras “quando o seu livro foi publicado, a alquimia me pareceu uma coisa marginal e bizarra, apesar de ter apreciado a perspectiva anagógica, isto é, construtiva”. Somente em 1928, ao tomar contato com o texto alquímico chinês, O segredo da flor de ouro, enviado pelo seu amigo e sinólogo Richard Wihelm é que ele pode se aproximar da essência da alquimia.
O primeiro livro estudado foi o Artis Auriferae Volumina Duo, de 1953. A partir daí ele compreendeu o significado do sonho anunciador de que ele “era um prisioneiro do século XVII”. Para superar as dificuldades do texto, decidiu “organizar um dicionário de palavras-chave com notas explicativas. Com o passar do tempo recolhi milhares de termos, e isso constituiu volumes inteiros de citações. Seguia o método puramente filológico como se estivesse decifrando uma língua desconhecida. Assim, pouco a pouco, foram fazendo sentido para mim as expressões dos alquimistas. Foi um trabalho que me absorveu por mais de dez anos” (JUNG, 2012, p. 251-52).
O estudo da alquimia permitiu que Jung compreendesse que o inconsciente é um processo e que as relações estabelecidas entre o ego e os conteúdos do inconsciente desencadeava uma metamorfose da psique. Eis o que afirma em suas Memórias: “Mediante o estudo das evoluções individuais e coletivas, e mediante a compreensão da simbologia alquimista cheguei ao conceito básico de toda de toda a minha psicologia, o ‘processo de individuação’” (JUNG, 2012, p. 256).
            Ele ainda afirma que um dos aspectos essenciais do seu trabalho foi desde cedo abordarem temas relacionados às concepções de mundo e do confronto com problemas religiosos. Nesta perspectiva, apenas em Psicologia e Religião (1940) e Paracelso (1942) é que ele pode apresentar suas concepções de modo mais detalhado.

Os escritos de Paracelso contêm um grande número de pensamentos originais nos quais aparece claramente uma preocupação com a alquimia, ainda que sob uma forma tardia e barroca. Foi o estudo de Paracelso que me levou a descrever a essência da alquimia, particularmente em suas relações com a religião e com a psicologia, ou melhor, à essência da alquimia em seu aspecto de filosofia religiosa. Realizei isto em Psicologia e alquimia (1944). Encontrei então o terreno que foi a base de minhas próprias experiências durante os anos de 1913 a 1917, pois o processo pelo qual passei correspondia ao processo de metamorfose alquimista, tema de Psicologia e alquimia (JUNG, 2012, p. 256).

            Esta grande obra (Psicologia e Alquimia) que compõe o volume 12 das Obras Coligidas², acima citada por Jung, é o foco central desta recuperação histórica. Ela é importante para demonstrar que a alquimia não está inserida nas obras de Jung por mero diletantismo erudito, mas justamente porque para Jung “o encontro com a alquimia foi [...] uma experiência decisiva; nela encontrei as bases históricas que até então buscara inutilmente” (JUNG, 2012, p. 247). Embora o tamanho da obra e o tema tratado possam parecer inabituais para a psicologia, ela foi muito bem recebida e causou surpresa ao seu autor, conforme podemos ler ao prefácio escrito para a segunda edição.
            A primeira parte é dedicada a uma explicação do simbolismo dos sonhos individuais e sua relação com a alquimia (SILVEIRA, 2011, p. 123). Ele chega a afirmar já no início do texto que as explicações ali contidas eram direcionadas ao leitor leigo e despreparado e que quem possuísse conhecimentos acerca da psicologia dos complexos (outro nome usado por Jung, além de Psicologia Analítica, para se referir à sua teoria psicológica) poderia prescindir delas. De acordo com Nise da Silveira, em seu livro Jung: vida & obra, este seria um dos capítulos mais belos já escritos pelo Jung (SILVEIRA, 2011, p. 124).
            Nesta introdução ele aborda questões do processo analítico, sobre a existência de um arquétipo da imagem de Deus na psique e sobre a religião como função psíquica (que ele chama de função religiosa da alma, não atribuindo a esta última nenhum caráter metafísico). “Qualquer que seja a natureza da religião, não resta a menor dúvida de que seu aspecto psíquico, empiricamente constatável, reside nessas manifestações do inconsciente” (JUNG, 2012, p. 41).

As ideias centrais do cristianismo radicam na filosofia gnóstica que, conforme as leis psicológicas, desenvolveram-se forçosamente no momento em que as religiões clássicas se tornaram obsoletas. Esta filosofia baseia-se na percepção dos símbolos do processo inconsciente de individuação, o qual se desencadeia quando se desagregam as representações coletivas principais que dominam a vida humana. Em tais períodos há necessariamente um certo número de indivíduos intensamente possuídos pelos arquétipos numinosos; estes últimos são impelidos à superfície, a fim de formarem as novas dominantes (JUNG, 2012, p. 48).

            A segunda parte é dedicada a uma minuciosa análise dos sonhos de Wolfgang Pauli, famoso físico quântico e prêmio nobel. Para que pudesse analisar os sonhos sem exercer nenhuma influência sobre o sonhador, ele incumbiu uma de suas alunas a observar o processo, que durou 5 meses. Durante três meses o sonhador fez sozinho análises sobre seus sonhos. E por quatro meses ele analisou seus sonhos sob a supervisão de Jung.

Assim, pois, 355 dos 400 sonhos foram sonhados independente de qualquer contato comigo. Apenas os últimos 45 sonhos ocorreram sob a minha supervisão. Não fora, feitas interpretações dignas de nota, pois o sonhador não necessitava de minha ajuda devido à sua excelente formação científica e ao seu talento. As condições portanto eram ideais para uma observação e registro isentos (JUNG, 2012, p. 53).

            O título deste capítulo, Símbolos oníricos do processo de individuação, se baseia justamente no fato de os símbolos oníricos do sonhador estavam “direta e exclusivamente relacionadas com a tomada de consciência do novo centro (designado por Jung como ‘si-mesmo’, ou o arquétipo da totalidade psíquica). Para Jung (2012, p. 51), “o si-mesmo não é apenas o ponto central, mas também a circunferência que engloba tanto a consciência como o inconsciente. Ele é o centro dessa totalidade, do mesmo modo que o eu é o centro da consciência”.
            A terceira parte é dedicada a uma introdução aos conceitos básicos da alquimia, tais como as fases do processo alquímico, a natureza psíquica da obra alquímica, a projeção de conteúdos psíquicos, a obra (opus) alquímica, o significado da ‘matéria prima’, o paralelo lápis-Cristo, além do inconsciente como matriz dos símbolos. Também é neste capítulo que Jung trabalha a importância da imaginação, dado que uma das técnicas da terapêutica junguiana é a imaginação ativa.

Em uma época na qual não havia uma psicologia empírica da alma era fatal que reinasse um tal concretismo: tudo o que era inconsciente se projetava na matéria, isto é, vinha de fora ao encontro do ser humano. Tratava-se de certa forma de um híbrido, meio espiritual, meio físico, concretização que não raro encontramos na psicologia dos primitivos. Assim sendo, a ‘imaginatio’ ou ato de imaginar também é uma atividade física que pode ser encaixada no ciclo das mutações materiais; pode ser causa das mesmas ou então pode ser por elas causada. Deste modo, o alquimista estava numa relação não só com o inconsciente, mas diretamente com a matéria que ele esperava transformar mediante a imaginação (JUNG, 2012, p. 297-98).

            Este é um livro de fôlego e ao qual se deve debruçar sobre as suas páginas com a devida seriedade e mínimo conhecimento de causa para que possa retornar da sua leitura consciente do intenso e profundo mergulho simbólico que acabara de fazer. Isto, justamente pelo fato de o Jung fazer um amplo uso do método da amplificação simbólica para poder nos auxiliar a desbravar esse mundo tão misterioso quanto o dos alquimistas medievais. Este é um livro fundamental para entender as direções que a obra de C. G. Jung tomou nos últimos 30 anos de sua vida e todas as obras que vieram após o seu contato com a alquimia.
            Agradeço a Editora Vozes pela parceria para que eu pudesse produzir a resenha deste livro.
Recife, 18 de maio de 2017

Elaborada por Anderson Santiago
Notas
1 – Corrente filosófico-espiritualista existente no período entre 120 e 240 d. C. Na opinião de Hermínio Miranda, em seu livro O Evangelho gnóstico de Tomé (Editora Lachêtre, 1995, p. 44): “[...] convém ter em mente entre a gnose, como trabalho de busca interior e auto-iluminação, que nada tem a ver formalmente com instituições religiosas, e o gnosticismo, denominação atribuída ao movimento gnóstico que ocupa na história do cristianismo, espaço de tempo que vai de 120 a 240 d. C.”
2 – Quem adota este modo de se referir às obras do Jung é o Roberto Gambini. Ele afirma que o correto é Obras Coligidas “e não ‘Obras Completas’, como erroneamente é traduzido ‘Collected Works’ ou ‘Gesammelte Werke’ na edição brasileira da Editora Vozes. Ainda permanecem inéditos textos que, quando vierem a público, comporão talvez trinta volumes, e não apenas os vinte já publicados” (GAMBINI, R. 2008, p. 63).

Referências
GAMBINI, R. A voz e o tempo: reflexões para jovens terapeutas. 2a edição. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008.
JUNG, C. G. Memórias, sonhos, reflexões. [Ed. especial]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.
__________. Psicologia e alquimia. 6ª edição. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
MIRANDA, H. C. O Evangelho gnóstico de Tomé. Editora Lachêtre, 1995.
SILVEIRA, Nise. Jung: vida e obra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.

sexta-feira, 17 de março de 2017

Resenha do livro O Cristianismo em C. G. Jung


Elaborada por Anderson Santiago

Dados do livro:
Código ISBN: 9788532653260
Formato: 13,7X21,0 cm
Acabamento: Brochura
Número páginas: 351
1ª edição
Ano de lançamento: 2016

Sinopse: Por que o cristianismo possui tamanha importância na obra de Jung? Como Jung o entende, principalmente no contexto de sua Teoria dos Arquétipos? Por que ele, como cientista que se interessava em primeira linha pela experiência religiosa, dedicou tanta atenção aos dogmas cristãos ou, mais especificamente, católicos, como a doutrina da Trindade e aos dogmas marianos, que muitas vezes são considerados o oposto da experiência religiosa viva? É possível adotar a sua concepção de forma acrítica e interpretá-la como versão atraente e fértil do cristianismo ou até mesmo como uma nova forma de fé cristã?
        
         Esta obra, O Cristianismo em C. G. Jung, vem acrescentar uma quantidade já significativa de informações ao campo de pesquisa entre a Psicologia Analítica e a Religião. O autor Henryk Machón é professor de filosofia e psicologia na Universidade Técnica de Oppeln na Polônia. Escreveu esta obra com a intenção de que ela servisse para representar o significado e a função do Cristianismo na obra de C. G. Jung, seja de maneira compreensiva, analisando toda a sua obra e o desenvolvimento do seu interesse pelos símbolos religiosos em geral e em específico dos cristãos; quanto crítica, ao apontar os possíveis equívocos e lacunas presentes na obra do psicólogo suíço.
         O primeiro capítulo aborda a biografia de Jung. Como lugar de nascimento de toda teoria junguiana, a obra aborda o quanto “a religião de ‘palavras vazias’ de seu pai” (MACHÓN, 2016, p. 305), as experiências mediúnicas da mãe e os debates teológicos dos tios com seu pai foram influência decisiva para o lugar de destaque dado para a experiência religiosa em sua vida e teoria psicológica. Analisa ainda o quanto a participação do jovem Jung na associação estudantil Zofingia teve importância  para a germinação das ideias que formarão a sua Teoria dos Arquétipos, assim como a formação em medicina e a atuação profissional enquanto psiquiatra. Relata ainda a hipervalorização da influência do pai da Psicanálise, Sigmund Freud, e o impacto do rompimento da amizade entre os dois na produção teórica de Jung.
         O segundo capítulo é dedicado à apresentação da base filosófica e psicológica do conceito de inconsciente coletivo. Este último possuindo extrema importância como base para a Teoria dos Arquétipos. Este capítulo apresenta o desenvolvimento das ideias sobre o inconsciente coletivo e os arquétipos desde as chamadas Palestras na Zofingia (documentos importantes para um maior aprofundamento sobre as raízes da sua fecunda teoria e que não estavam ao alcance do público), até seus contatos com filósofos e psicólogos como Platão, Kant, Nietzsche, Schopenhauer, William James, Carus e von Hartmann, para citar alguns.
         O terceiro capítulo aborda os aspectos teóricos do diálogo entre a Psicologia Analítica e o Cristianismo. Apresenta um esboço histórico das pesquisas junguianas sobre o tema até as suas reflexões tendo por base a Teoria dos Arquétipos. Neste capítulo o autor esboça cronologicamente o crescente interesse de Jung pelo Cristianismo como objeto de pesquisa, especialmente pelo Catolicismo, pelo potencial simbólico, a função religiosa da alma e a relação entre a religião e os arquétipos. Além disso, o capítulo aborda a questão da discussão em torno da trindade versus a quaternidade e sobre Deus.
         No quarto capítulo se propõe a discursar sobre a importância dos símbolos dogmáticos e atos rituais do cristianismo como meios adequados para a ação do inconsciente coletivo e as implicações para a prática terapêutica. Relata ainda a discussão sobre as várias formas da experiência religiosa, a proximidade entre as formas de aconselhamento espiritual (mesmo que limitada) e a psicoterapia, justamente pelo fato de que para Jung “as religiões são terapias não por serem religiões, mas pelo fato de, nelas, as forças curadoras do inconsciente agirem de forma especialmente frutífera” (MACHÓN, 2016, p. 301).
A conclusão é dedicada a retomar os principais pontos de cada um dos capítulos e a apontar as possibilidades, no entendimento do autor, de se continuar a pesquisa. Machón considera o livro um estudo introdutório e que outros adicionais são necessários, seja para analisar a compreensão que Jung tem de algum dogma cristão em específico; seja de outros fenômenos religiosos, como o budismo e a gnose por exemplo.
Este é um livro que deve ser alvo de uma leitura atenta e profunda, dada a quantidade de informações que o autor conseguiu condensar em pouco mais de trezentas páginas. Ele trata com bastante cuidado a teoria junguiana sem cair numa apologética como as muitas obras já existentes no mercado editorial e se permite elencar argumentos críticos bem interessantes para nos instigar a repensar determinados pontos da teoria psicológica junguiana. Contudo, naquilo que concerne ao objetivo do livro senti falta de uma verdadeira atenção à importância da Alquimia na virada epistemológica junguiana e na forma como C. G. Jung se propõe analisar o fenômeno religioso e, mais especialmente, o cristianismo, objetivo maior do presente estudo. Até porque ao analisar os temas da trindade e da quaternidade, e suas influências nas discussões a que C. G. Jung se propõe não há como ignorar as implicações dos estudos empreendidos sobre a alquimia e que culminaram em duas volumosas obras: Psicologia e Alquimia (vol. 12) e Estudos Alquímicos (vol. 13). Enfim, deve-se considerar O Cristianismo em C. G. Jung, uma obra para ser estudada com carinho e com a certeza de que agregará valor a qualquer amante da psicologia, principalmente a junguiana. 

Trechos do livro:
O tema do cristianismo, ampliado pelo fato de esboçar a compreensão que Jung tem da religião, é analisado com base tanto no corpus principal dedicado a este tema quanto nos fragmentos menores e dispersos também nas cartas. Nestes últimos, muitos autores, inclusive o fundador da Psicologia Analítica, permitem-se um estilo mais casual, e, por conseguinte, uma linguagem mais clara, o que lança luz sobre teses do corpus principal (MACHÓN, 2016, p. 304).
A teoria multifacetada de Jung só pode ser entendida e interpretada em perspectiva interdisciplinar. Por isso o autor deste estudo analisa camadas – psicológica, filosófica e teológica -, levando em consideração sua metodologia científica (MACHÓN, 2016, p. 304).

         Agradeço a Editora Vozes pela parceria para que eu pudesse produzir a resenha tanto deste livro, quanto do próximo: Psicologia e Alquimia (volume 12 das “Obras Completas”).


Recife, 17 de março de 2017

Elaborada por Anderson Santiago

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Entrevista / Rádio Folha FM 96,7



Estivemos presentes hoje na Rádio Folha FM 96,7 participando do programa de Jota Batista e abordando o tema da palestra que estaremos apresentando amanhã, dia 24/01/2017, cujo título é Relações entre transtornos mentais e as tentativas de suicídio: caminhos para a prevenção.

Ela acontecerá no IPPEP - Instituto de Práticas Educacionais e Psicológicas e faz parte da agenda de ações da campanha Janeiro Branco.

A entrevista ainda contou com a presença da psiquiatra Maria Cláudia dá Cruz Pires.

Segue abaixo o cartaz dá palestra e os áudios dá entrevista.