segunda-feira, 16 de maio de 2016

Breves notas sobre a vida e a obra de C. G. Jung


             Carl Gustav Jung nasce em 26 de julho de 1875, na Suíça. Filho de Paul Achilles Jung (1842-1896) e Emillie Preiswerk (1848-1923), ele cresce envolvido por questões religiosas pelo fato da religião estar inserida no cotidiano da família: além de seu pai que era pastor luterano e dois tios paternos, seu avô materno e seis tios exerciam o ofício religioso. Contudo, embora este ambiente vá influenciar o modo como o jovem Jung irá lidar com o tema da religião em seus estudos e prática profissional, não há nenhum registro de que ele tenha professado nenhuma confissão religiosa nem demonstrado nenhuma vinculação com alguma denominação. Vale mencionar a existência de seu avô paterno, Carl Gustav Jung, cuja existência foi marcada pelas suspeitas de ser filho ilegítimo do famoso poeta e pensador alemão Goethe, além de ter sido notável pensador, médico e pesquisador envolvido com a temática religiosa.
            Embora Jung tenha tido uma infância marcada pela pobreza, seu pai sempre se esforçou para que o filho pudesse ter acesso ao conhecimento. Quando Jung decidiu cursar medicina na Universidade da Basiléia (onde viria a ser professor posteriormente), seu pai conseguiu uma bolsa para que ele pudesse estudar com calma dada a dificuldade financeira por que passavam. De acordo com Roth (2011), durante a graduação Jung participou da mesma associação estudantil que seu pai havia participado quando estudou na mesma universidade, a Zoofingia e foi lá que ele “deu as suas primeiras conferências sobre teologia e psicologia” (ROTH, 2011, p. 21). De acordo com Ellenberger (1973 citado por ROTH, 2011) é durante este período que Jung irá iniciar a elaboração das principais ideias que irão constituir a sua vasta obra.
            Ao final da graduação, quando todos pensavam que ele se especializaria em clínica médica, devido ao fato de já haver recebido um convite de um professor para ser seu assistente, eis que Jung surpreende a todos ao anunciar que seria psiquiatra (SILVEIRA, 2011).
Ele conclui o curso em 1900 e, aos 25 anos, ainda no mesmo ano se instala no em Zurique, onde foi ocupar o cargo de segundo assistente no hospital psiquiátrico Burgholzli” (SILVEIRA, 2011, p. 13). Esta instituição era neste período uma referência em saúde mental e estava sob a direção do famoso psiquiatra Eugen Bleuler.
            O período no Burgholzli foi bastante intenso e produtivo para Jung. Assim que chegou seu objetivo era responder a esta questão que ele formulara: “o que se passa no espírito do doente mental? ” (JUNG, 2012, p. 154). Todas as suas obras produzidas durante este período têm por objetivo lhe ajudar a formular uma resposta adequada a esta pergunta. Todas as obras escritas durante os anos de 1902 a 1908 compõem os três primeiros volumes das suas Obras Completas. Elas se iniciam com a sua tese de doutoramento, cujo título é Psicologia e patologia dos fenômenos ditos ocultos onde ele se propõe a analisar uma paciente a quem se acusava de possuir faculdades mediúnicas. Posteriormente se descobriu ser sua prima o objeto dos seus estudos.

“[...] Em 1906, (ele publica) seu livro Estudos sobre as associações. Em 1907 apareceu Psicologia da demência precoce, e a seguir, 1908, O conteúdo das psicoses, trabalhos que demonstram que todos os sintomas psicóticos encerram significações” (SILVEIRA, 2011, p. 29)

            Ainda durante este período ele desenvolve pesquisas em torno do que seria conhecido como o seu método de associação de palavras, dadas as inúmeras modificações introduzidas por ele neste teste. O desenvolvimento deste método permitiu que Jung pudesse se nortear com mais clareza quanto ao tratamento que deveria dispensar às psicoses (PERRONE, 2008). Os resultados destas pesquisas o levam a afirmar que “na demência precoce não há sintoma que seja desprovido de base psicológica e significação. Mesmo as mais absurdas de suas manifestações são símbolos de pensamentos que não só podem ser compreendidos em termos humanos mas também existem dentro de cada homem” (JUNG citado por SILVEIRA, 2011, p. 28-29). Em virtude dos desdobramentos das pesquisas em torno do método de associação de palavras, Jung adquire fama internacional, de tal forma que em 1909 ele é convidado pela Clarck University para apresentar os resultados das suas pesquisas ao mesmo tempo em que Freud recebia o mesmo convite para apresentar as famosas Cinco Conferências sobre a Psicanálise.
            Em 1903 Jung casa com Emma Rauschenbach, com quem terá cinco filhos além de uma companhia muito interessada pelos problemas da psicologia. Ela irá desenvolver estudos sobre a Lenda do Graal e publicará um livro sobre os arquétipos da Anima e Animus.
            Em 1906 Jung entra em contato com o famoso neurologista Sigmund Freud, criador ainda jovem Psicanálise, mas somente em 1907 se dará o primeiro encontro pessoal entre ambos. Encontro este marcado de forma intensa pelo fato de que a primeira conversa entre os grandes pensadores durou nada menos que 13 horas. Jung havia tomado contato com a obra do Freud ainda em 1900, no ano de lançamento da obra seminal da Psicanálise A interpretação dos sonhos, e viria a estudar a mesma em 1903 com seus colegas psiquiatras no Burgholzli. Esta primeira longa conversa representa o tom de uma intensa troca que se estabeleceria entre ambos, com Jung mantendo-se na postura de pesquisador independente e com Freud tentando enquadrá-lo entre os seus discípulos, chamando-o inclusive de “príncipe herdeiro” (cabe destacar o fato de Freud ser quase quinze anos mais velho).
            Embora Jung tenha assumido um papel de suma importância dentro do movimento psicanalítico nascente, ele nunca deixou de se posicionar criticamente em torno dos postulados da psicanálise. Em 1906 quando publicou seu livro Psicologia da demência precoce, já no prefácio ele assume uma posição que não abandonaria nos quase 7 anos de colaboração com o pai da psicanálise:

“Fazer justiça a Freud não implica, como muitos temem, submissão incondicional a um dogma; pode-se muito bem manter um julgamento independente. Se eu, por exemplo, aceito os mecanismos complexos dos sonhos e da histeria, isso não significa que atribua ao trauma infantil a importância exclusiva que Freud parece conceder-lhe. Ainda menos isso significa que eu coloque a sexualidade tão predominantemente no primeiro plano ou que lhe atribua a universalidade psicológica que Freud lhe atribui, dado o papel enorme que, decerto, a sexualidade desempenha na psique” (citado por SILVEIRA, 2011, p. 38).

            Contudo, é em 1913 que a relação profissional e pessoal entre Jung e Freud será abalada de uma vez por todas quando aquele publica a segunda parte da obra Transformações e símbolos da libido (posteriormente rebatizada de Símbolos da transformação). Eis um trecho da obra como exemplo:

Ao invés da teoria sexual [...], pareceu-me mais adequado um conceito energético. Ele me tornou possível identificar a expressão “energia psíquica” com o termo “libido”. [...] Filogeneticamente são as necessidades físicas como fome, sede, sono, sexualidade, e os estados emocionais, os afetos, que constituem a natureza da libido” (JUNG, 2013, parágrafo 194).

            Com a publicação desta obra Jung reafirma seu posicionamento como pesquisador independente. Contudo, o rompimento também lhe afeta profundamente a nível pessoal e profissional. Inicia-se a partir deste momento um período de intensa ativação do inconsciente, com visões, sonhos e profundas experiências interiores (SILVEIRA, 2011). O próprio Jung afirma em sua autobiografia que “foram necessários 45 anos para elaborar e inscrever no quadro de minha obra científica os elementos que vivi e anotei nessa época da minha vida” (2012, p. 246).
            Este foi um período marcado por profunda introspecção e onde ele se ateve ao essencial, o mínimo de atendimentos, o distanciamento do mundo acadêmico, o contato com a família. Conforme Silveira (2011, p. 17) os “elementos dessas sofridas experiências [...] viriam a ser a base de toda a sua teoria psicológica e de seus métodos terapêuticos”. Neste período Jung escreve, entre outros textos, A psicologia do inconsciente em 1917, onde ele elabora as ideias que vão culminar na noção de um inconsciente coletivo e nos tipos psicológicos. De acordo com Jung, esta obra (Tipos psicológicos, publicada em 1920) “trata principalmente do confronto do indivíduo com o mundo, das suas relações com os homens e coisas” (JUNG, 2012, p. 254)
            Em seguida ele se põe a reexaminar suas “intuições, vivências pessoais e observações clínicas referentes ao inconsciente coletivo” (SILVEIRA, 2011, p. 18). Em 1934 ele publica um ensaio intitulado “arquétipos do inconsciente coletivo” e que passa por uma reformulação até sua versão final publicada vinte anos depois com o título Os arquétipos e o inconsciente coletivo.
            Estes estudos foram enriquecidos e aprofundados com as viagens que o Jung fez primeiro para a África do Norte, depois para o Novo México nos EUA, onde foi visitar os índios Pueblo, depois para o Quênia e Uganda, Índia e, por fim, Ravena e Roma. De acordo com Silveira (2011, p. 18):

“De suas viagens, Jung trouxe muito mais do que a imagem do branco (que ele compara com aves de rapina) refletida nos olhos dos colonizados, a análise das reações do europeu no mundo selvagem ou importantes aquisições referentes à psicologia do primitivo. Trouxe a descoberta da significação cósmica da consciência”.

            Essa descoberta levou Jung a “encontrar as raízes históricas das experiências interiores que percebia em si próprio e em seus pacientes” (CAVALCANTI, 2007, p. 49). Pouco antes de publicar sua obra Tipos Psicológicos ele retoma os estudos sobre os gnósticos como forma de tentar relacioná-las às suas concepções psicológicas. Contudo, ainda faltava algo. E essa ponte que faltava ele irá encontrar na Alquimia. Esse encontro se dá no momento em que ganhou de presente um livro sobre alquimia chinesa chamado O segredo da flor de ouro, dado pelo seu amigo sinólogo Richard Wilhelm em 1928 (CAVALCANTI, 2007). Neste momento, Jung compreendeu, com a alquimia:

“[...] O inconsciente como ‘um processo, e que as relações do ego com os conteúdos do inconsciente desencadeiam um desenvolvimento ou uma verdadeira metamorfose da psique. Nos casos individuais é possível seguir este processo através dos sonhos e fantasias. No mundo coletivo, tal processo se encontra inscrito nos diferentes sistemas religiosos e na transformação de seus símbolos’” (CAVALCANTI, 2007, p. 50).

            A partir desta compreensão Jung inicia o seu período mais profundo e produtivo. São obras deste período Psicologia e Alquimia, Estudos Alquímicos, Aion, Mysterim Coniunctionis, Psicologia da transferência, Resposta a Jó, Psicologia e Religião, entre outras. Esse período também é marcado por alguns problemas de saúde e uma perda irreparável para Jung. Em 1855, Emma Jung, até então sua companheira fiel (mesmo com todas as polêmicas envolvendo os nomes de Sabina Spielrein e Toni Wolf), vem a falecer. Jung fica desolado, mas consegue reunir forças para seguir em frente e ainda produzir mais duas pérolas antes de fechar seus olhos pela última vez neste mundo: a sua autobiografia Memórias, sonhos e reflexões, altamente criticada quando se percebeu as enormes alterações feitas pela sua secretária Aniella Jaffé junto com a sua família e o livro que indico com todas as minhas forças arquetípicas O homem e seus símbolos, livro este que foi concretizado após a sugestão insistente do jornalista John Freeman após este tê-lo entrevistado em 1959 (entrevista exibida pela BBC de Londres). Contudo, o que o convenceu de verdade fora um sonho que teve onde ele falava para uma multidão composta de pessoas não especialistas e que compreendiam tudo o que ele dizia. E faltando exatamente dez dias antes de falecer, Jung entrega a sua parte do livro que comporia o primeiro capítulo, após já ter elaborado junto com quatro outros colaboradores de sua inteira confiança o esboço de toda obra.
Em 1961 Jung fecharia pela última vez seus olhos, com a certeza de que aquilo que falou em suas Memórias estava pleno de verdade: “Minha vida é a história de um inconsciente que se realizou” (JUNG, 2012, p. 31). E quem estuda toda a sua obra com seriedade e profundidade há de concordar com o fato de que ele estava coberto de razão ao iniciar a sua autobiografia desta forma!

Referências:

CAVALCANTI, Tito R. de A. Jung (Folha explica). São Paulo: Publifolha, 2007. Disponível em: https://groups.google.com/forum/#!topic/livros-virtuais/4ies1V5LhHw
JUNG, C. G. Memórias, sonhos, reflexões. Edição especial (Saraiva de bolso). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012.
PERRONE, Maria P. M. S. B. Complexo: conceito fundante na construção da psicologia de Carl Gustav Jung. 2008. Tese de doutorado. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47134/tde-30072009-135120/pt-br.php
ROTH, Wolfgang. Introdução à psicologia de C. G. Jung. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
SILVEIRA, Nise. Jung: vida e obra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.

Um comentário:

  1. Excelente texto! Claro, conciso e esclaredor. Jung foi um grande contribuinte para a psicologia.

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