Carl
Gustav Jung nasce em 26 de julho de 1875, na Suíça. Filho de Paul Achilles Jung
(1842-1896) e Emillie Preiswerk (1848-1923), ele cresce envolvido por questões
religiosas pelo fato da religião estar inserida no cotidiano da família: além
de seu pai que era pastor luterano e dois tios paternos, seu avô materno e seis
tios exerciam o ofício religioso. Contudo, embora este ambiente vá influenciar
o modo como o jovem Jung irá lidar com o tema da religião em seus estudos e
prática profissional, não há nenhum registro de que ele tenha professado
nenhuma confissão religiosa nem demonstrado nenhuma vinculação com alguma denominação.
Vale mencionar a existência de seu avô paterno, Carl Gustav Jung, cuja
existência foi marcada pelas suspeitas de ser filho ilegítimo do famoso poeta e
pensador alemão Goethe, além de ter sido notável pensador, médico e pesquisador
envolvido com a temática religiosa.
Embora
Jung tenha tido uma infância marcada pela pobreza, seu pai sempre se esforçou
para que o filho pudesse ter acesso ao conhecimento. Quando Jung decidiu cursar
medicina na Universidade da Basiléia (onde viria a ser professor posteriormente),
seu pai conseguiu uma bolsa para que ele pudesse estudar com calma dada a
dificuldade financeira por que passavam. De acordo com Roth (2011), durante a
graduação Jung participou da mesma associação estudantil que seu pai havia
participado quando estudou na mesma universidade, a Zoofingia e foi lá que ele
“deu as suas primeiras conferências sobre teologia e psicologia” (ROTH, 2011,
p. 21). De acordo com Ellenberger (1973 citado por ROTH, 2011) é durante este
período que Jung irá iniciar a elaboração das principais ideias que irão
constituir a sua vasta obra.
Ao
final da graduação, quando todos pensavam que ele se especializaria em clínica
médica, devido ao fato de já haver recebido um convite de um professor para ser
seu assistente, eis que Jung surpreende a todos ao anunciar que seria
psiquiatra (SILVEIRA, 2011).
Ele
conclui o curso em 1900 e, aos 25 anos, ainda no mesmo ano se instala no em
Zurique, onde foi ocupar o cargo de segundo assistente no hospital psiquiátrico
Burgholzli” (SILVEIRA, 2011, p. 13). Esta instituição era neste período uma
referência em saúde mental e estava sob a direção do famoso psiquiatra Eugen
Bleuler.
O
período no Burgholzli foi bastante intenso e produtivo para Jung. Assim que
chegou seu objetivo era responder a esta questão que ele formulara: “o que se
passa no espírito do doente mental? ” (JUNG, 2012, p. 154). Todas as suas obras
produzidas durante este período têm por objetivo lhe ajudar a formular uma
resposta adequada a esta pergunta. Todas as obras escritas durante os anos de
1902 a 1908 compõem os três primeiros volumes das suas Obras Completas. Elas se
iniciam com a sua tese de doutoramento, cujo título é Psicologia e patologia dos fenômenos ditos ocultos onde ele se
propõe a analisar uma paciente a quem se acusava de possuir faculdades
mediúnicas. Posteriormente se descobriu ser sua prima o objeto dos seus
estudos.
“[...] Em
1906, (ele publica) seu livro Estudos
sobre as associações. Em 1907 apareceu Psicologia
da demência precoce, e a seguir, 1908, O
conteúdo das psicoses, trabalhos que demonstram que todos os sintomas
psicóticos encerram significações” (SILVEIRA, 2011, p. 29)
Ainda
durante este período ele desenvolve pesquisas em torno do que seria conhecido
como o seu método de associação de palavras, dadas as inúmeras modificações
introduzidas por ele neste teste. O desenvolvimento deste método permitiu que
Jung pudesse se nortear com mais clareza quanto ao tratamento que deveria
dispensar às psicoses (PERRONE, 2008). Os resultados destas pesquisas o levam a
afirmar que “na demência precoce não há sintoma que seja desprovido de base
psicológica e significação. Mesmo as mais absurdas de suas manifestações são
símbolos de pensamentos que não só podem ser compreendidos em termos humanos
mas também existem dentro de cada homem” (JUNG citado por SILVEIRA, 2011, p.
28-29). Em virtude dos desdobramentos das pesquisas em torno do método de
associação de palavras, Jung adquire fama internacional, de tal forma que em
1909 ele é convidado pela Clarck University para apresentar os resultados das
suas pesquisas ao mesmo tempo em que Freud recebia o mesmo convite para
apresentar as famosas Cinco Conferências sobre a Psicanálise.
Em
1903 Jung casa com Emma Rauschenbach, com quem terá cinco filhos além de uma
companhia muito interessada pelos problemas da psicologia. Ela irá desenvolver
estudos sobre a Lenda do Graal e publicará um livro sobre os arquétipos da
Anima e Animus.
Em
1906 Jung entra em contato com o famoso neurologista Sigmund Freud, criador
ainda jovem Psicanálise, mas somente em 1907 se dará o primeiro encontro
pessoal entre ambos. Encontro este marcado de forma intensa pelo fato de que a
primeira conversa entre os grandes pensadores durou nada menos que 13 horas.
Jung havia tomado contato com a obra do Freud ainda em 1900, no ano de
lançamento da obra seminal da Psicanálise A interpretação dos sonhos, e viria a
estudar a mesma em 1903 com seus colegas psiquiatras no Burgholzli. Esta
primeira longa conversa representa o tom de uma intensa troca que se
estabeleceria entre ambos, com Jung mantendo-se na postura de pesquisador
independente e com Freud tentando enquadrá-lo entre os seus discípulos,
chamando-o inclusive de “príncipe herdeiro” (cabe destacar o fato de Freud ser
quase quinze anos mais velho).
Embora
Jung tenha assumido um papel de suma importância dentro do movimento
psicanalítico nascente, ele nunca deixou de se posicionar criticamente em torno
dos postulados da psicanálise. Em 1906 quando publicou seu livro Psicologia da demência precoce, já no
prefácio ele assume uma posição que não abandonaria nos quase 7 anos de
colaboração com o pai da psicanálise:
“Fazer
justiça a Freud não implica, como muitos temem, submissão incondicional a um
dogma; pode-se muito bem manter um julgamento independente. Se eu, por exemplo,
aceito os mecanismos complexos dos sonhos e da histeria, isso não significa que
atribua ao trauma infantil a importância exclusiva que Freud parece
conceder-lhe. Ainda menos isso significa que eu coloque a sexualidade tão
predominantemente no primeiro plano ou que lhe atribua a universalidade
psicológica que Freud lhe atribui, dado o papel enorme que, decerto, a
sexualidade desempenha na psique” (citado por SILVEIRA, 2011, p. 38).
Contudo,
é em 1913 que a relação profissional e pessoal entre Jung e Freud será abalada
de uma vez por todas quando aquele publica a segunda parte da obra Transformações e símbolos da libido
(posteriormente rebatizada de Símbolos da
transformação). Eis um trecho da obra como exemplo:
Ao invés
da teoria sexual [...], pareceu-me mais adequado um conceito energético. Ele me
tornou possível identificar a expressão “energia psíquica” com o termo
“libido”. [...] Filogeneticamente são as necessidades físicas como fome, sede,
sono, sexualidade, e os estados emocionais, os afetos, que constituem a
natureza da libido” (JUNG, 2013, parágrafo 194).
Com
a publicação desta obra Jung reafirma seu posicionamento como pesquisador
independente. Contudo, o rompimento também lhe afeta profundamente a nível
pessoal e profissional. Inicia-se a partir deste momento um período de intensa
ativação do inconsciente, com visões, sonhos e profundas experiências
interiores (SILVEIRA, 2011). O próprio Jung afirma em sua autobiografia que
“foram necessários 45 anos para elaborar e inscrever no quadro de minha obra
científica os elementos que vivi e anotei nessa época da minha vida” (2012, p.
246).
Este
foi um período marcado por profunda introspecção e onde ele se ateve ao
essencial, o mínimo de atendimentos, o distanciamento do mundo acadêmico, o
contato com a família. Conforme Silveira (2011, p. 17) os “elementos dessas
sofridas experiências [...] viriam a ser a base de toda a sua teoria
psicológica e de seus métodos terapêuticos”. Neste período Jung escreve, entre
outros textos, A psicologia do
inconsciente em 1917, onde ele elabora as ideias que vão culminar na noção
de um inconsciente coletivo e nos tipos psicológicos. De acordo com Jung, esta
obra (Tipos psicológicos, publicada
em 1920) “trata principalmente do confronto do indivíduo com o mundo, das suas
relações com os homens e coisas” (JUNG, 2012, p. 254)
Em
seguida ele se põe a reexaminar suas “intuições, vivências pessoais e
observações clínicas referentes ao inconsciente coletivo” (SILVEIRA, 2011, p.
18). Em 1934 ele publica um ensaio intitulado “arquétipos do inconsciente
coletivo” e que passa por uma reformulação até sua versão final publicada vinte
anos depois com o título Os arquétipos e
o inconsciente coletivo.
Estes
estudos foram enriquecidos e aprofundados com as viagens que o Jung fez
primeiro para a África do Norte, depois para o Novo México nos EUA, onde foi
visitar os índios Pueblo, depois para o Quênia e Uganda, Índia e, por fim,
Ravena e Roma. De acordo com Silveira (2011, p. 18):
“De suas
viagens, Jung trouxe muito mais do que a imagem do branco (que ele compara com
aves de rapina) refletida nos olhos dos colonizados, a análise das reações do
europeu no mundo selvagem ou importantes aquisições referentes à psicologia do
primitivo. Trouxe a descoberta da significação cósmica da consciência”.
Essa
descoberta levou Jung a “encontrar as raízes históricas das experiências
interiores que percebia em si próprio e em seus pacientes” (CAVALCANTI, 2007,
p. 49). Pouco antes de publicar sua obra Tipos Psicológicos ele retoma os
estudos sobre os gnósticos como forma de tentar relacioná-las às suas
concepções psicológicas. Contudo, ainda faltava algo. E essa ponte que faltava
ele irá encontrar na Alquimia. Esse encontro se dá no momento em que ganhou de
presente um livro sobre alquimia chinesa chamado O segredo da flor de ouro,
dado pelo seu amigo sinólogo Richard Wilhelm em 1928 (CAVALCANTI, 2007). Neste
momento, Jung compreendeu, com a alquimia:
“[...] O
inconsciente como ‘um processo, e que as relações do ego com os conteúdos do
inconsciente desencadeiam um desenvolvimento ou uma verdadeira metamorfose da
psique. Nos casos individuais é possível seguir este processo através dos
sonhos e fantasias. No mundo coletivo, tal processo se encontra inscrito nos
diferentes sistemas religiosos e na transformação de seus símbolos’”
(CAVALCANTI, 2007, p. 50).
A
partir desta compreensão Jung inicia o seu período mais profundo e produtivo.
São obras deste período Psicologia e
Alquimia, Estudos Alquímicos, Aion, Mysterim Coniunctionis, Psicologia
da transferência, Resposta a Jó, Psicologia e Religião, entre outras.
Esse período também é marcado por alguns problemas de saúde e uma perda
irreparável para Jung. Em 1855, Emma Jung, até então sua companheira fiel
(mesmo com todas as polêmicas envolvendo os nomes de Sabina Spielrein e Toni
Wolf), vem a falecer. Jung fica desolado, mas consegue reunir forças para seguir
em frente e ainda produzir mais duas pérolas antes de fechar seus olhos pela
última vez neste mundo: a sua autobiografia Memórias,
sonhos e reflexões, altamente criticada quando se percebeu as enormes
alterações feitas pela sua secretária Aniella Jaffé junto com a sua família e o
livro que indico com todas as minhas forças arquetípicas O homem e seus símbolos, livro este que foi concretizado após a
sugestão insistente do jornalista John Freeman após este tê-lo entrevistado em
1959 (entrevista exibida pela BBC de Londres). Contudo, o que o convenceu de
verdade fora um sonho que teve onde ele falava para uma multidão composta de
pessoas não especialistas e que compreendiam tudo o que ele dizia. E faltando
exatamente dez dias antes de falecer, Jung entrega a sua parte do livro que
comporia o primeiro capítulo, após já ter elaborado junto com quatro outros
colaboradores de sua inteira confiança o esboço de toda obra.
Em 1961
Jung fecharia pela última vez seus olhos, com a certeza de que aquilo que falou
em suas Memórias estava pleno de verdade: “Minha vida é a história de um
inconsciente que se realizou” (JUNG, 2012, p. 31). E quem estuda toda a sua
obra com seriedade e profundidade há de concordar com o fato de que ele estava
coberto de razão ao iniciar a sua autobiografia desta forma!
Referências:
CAVALCANTI, Tito R. de A. Jung
(Folha explica). São Paulo: Publifolha, 2007. Disponível em: https://groups.google.com/forum/#!topic/livros-virtuais/4ies1V5LhHw
JUNG, C. G. Memórias, sonhos,
reflexões. Edição especial (Saraiva de bolso). Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2012.
PERRONE, Maria P. M. S. B.
Complexo: conceito fundante na construção da psicologia de Carl Gustav Jung.
2008. Tese de doutorado. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/47/47134/tde-30072009-135120/pt-br.php
ROTH, Wolfgang. Introdução à
psicologia de C. G. Jung. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
SILVEIRA, Nise. Jung: vida e
obra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.